Cabides

Por Joaquim Ribeiro de Souza Júnior, Promotor de Justiça de Santa Luzia/MA

Sabe-se que, em obediência aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, igualdade e eficiência no serviço público, o texto constitucional estabelece como condição sine qua non a qualquer pessoa que pretenda ocupar um cargo ou emprego público, a prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, excetuados os cargos em comissão considerados por lei como sendo de livre nomeação e exoneração.

Mesmo em relação aos cargos em comissão, a exceção à regra geral de exigência de concurso público é apenas relativa, uma vez que tais cargos só podem ser criados para desempenho de atribuições de direção, chefia e assessoramento, o que não é o caso de médicos, enfermeiros, dentistas, advogados, contadores, professores, motoristas e etc.

O inciso IX do art. 37 da CF prevê uma outra forma de admissão de pessoal pela Administração Pública, diversa do preenchimento de cargos efetivos e empregos públicos mediante concurso público, e diversa da nomeação para cargos em comissão. Trata-se da contratação por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público.

Trata-se, repita-se, de ato administrativo com finalidade plenamente vinculada, qual seja, a de atender necessidade temporária de excepcional interesse público.

Não obstante, em todas as comarcas onde trabalhei, constatei claro desvio de finalidade nessas contratações, pois os atos (contratações) não eram praticados visando atender necessidade temporária de excepcional interesse público, mas sim com a finalidade de burlar a exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público.

Todos os que conhecem a realidade dos municípios pequenos do interior do Estado do Maranhão sabem que devido à ausência de empresários e profissionais autônomos, o funcionalismo público é o grande responsável pela movimentação econômica local. Tanto isto é verdade que, quando ocorre atraso de pagamento por parte de prefeituras, todos os pequenos e informais estabelecimentos comerciais locais passam por período de verdadeira penúria, chegando mesmo a fechar as portas. Tais fatos, embora trágicos, representam a mais pura realidade de nosso querido Estado do Maranhão.

Assim sendo, fica fácil entender como determinados candidatos são eleitos sem qualquer programa de Governo, sem passado limpo, sem capacidade de gerir uma máquina administrativa e em alguns casos, até mesmo sem prometer honestidade. Basta sair “distribuindo” emprego público que certamente terá sua eleição garantida.

Depois de eleita, a grande maioria dos administradores públicos municipais reluta a todo custo a realizar concurso público, uma vez que os eventualmente aprovados ocuparão cargos ou empregos efetivos. Os administradores vêem nisto uma ameaça, preferindo, portanto, as contratações que lhe possibilitem romper a relação jurídica existente, sempre que o contratado não satisfaça todos os seus caprichos.

Ademais, o concurso público apresenta mais um grande entrave aos administradores públicos desonestos. É que por materializar o princípio da isonomia, não apenas os simpatizantes do gestor são aprovados. Os simpatizantes de outros grupos políticos também podem ser aprovados, o que o administrador desonesto considera um absurdo, uma vez que com a confusão entre o público e o privado, acredita estar dando emprego para os adversários.

Em decorrência de toda esta problemática, os administradores desonestos procuram a todo custo burlar a exigência constitucional de realização de concurso público e a forma comumente utilizada é a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público.

A aludida contratação temporária só é legítima quando visa atender aqueles casos em que a própria necessidade do serviço seja temporária, ou então quando embora a necessidade seja permanente, não exista tempo hábil para a realização de concurso público.

Ainda assim, o administrador não está livre de obedecer ao princípio da impessoalidade, sendo-lhe defeso escolher quem irá ser contratado ao seu bel prazer, uma vez que no âmbito federal, a lei 8.745/1993 exige a realização de processo seletivo simplificado, que embora não tenha as mesmas formalidades de um concurso público, apresenta a vantagem de minar a odiosa discricionariedade administrativa entre saber quem merece ou não ter emprego público.

Tais premissas básicas são simplesmente ignoradas por completo pelos administradores em geral, tanto em governos municipais, como no próprio Governo do Estado do Maranhão. Já perdi as contas de quantas ações civis públicas, ações penais e ações de improbidade ajuizei visando combater o problema. As melhores soluções que obtive foram na via extrajudicial com a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta. Porém, neste mês, tomei ciência de dezenas de sentenças condenatórias de ex-prefeitos por ato de improbidade administrativa, na comarca de Santa Luzia,  inclusive, com imposição de severas sanções, tais como, suspensão de direitos políticos. É um alento. Parece que a Administração Pública finalmente começa a deixar de ser um cabide de acomodação de apaniguados e amigos do poder.

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5 respostas para Cabides

  1. José Márcio disse:

    Júnior,
    Mais uma vez você toca em um assunto de repercussão geral. É que em praticamente todos os municípios do Maranhão há contratações irregulares de pessoal. Entra Prefeito e sai Prefeito.
    O combate a essa prática seria uma grande bandeira para uma atuação integrada por parte de todas as promotorias de proteção ao patrimônio público no Maranhão. Esta aí uma boa dica para a Administração Superior do MPMA. Mais uma…
    Parabéns pelo texto!
    Um grande abraço!

  2. Nahyma Abas disse:

    Colega Joaquim,
    Quando assumi a Promotoria do Patrimônio Público de Imperatriz, no ano passado, elegi como prioridade a correção destas distorções no serviço público, por entender que a contratação precária de funcionários públicos, além de ser forma clara de corrupção eleitoral e administrativa, compromete a eficiência do serviço público, especialmente os de saúde e de educação. Perdi a conta, nas comarcas pelas quais passei, do número de professores, dos primeiros anos do ensino fundamental, prestando declarações na promotoria de justiça que tinham dificuldade até para assinar o nome. Como imaginar que possam ensinar algo a alguém? De lá pra cá mantive diversos diálogos com os gestores na tentativa de resolver extrajudicialmente a questão, sempre colocando as implicações legais do não atendimento das normas constitucionais quanto ao concurso público. Se o problema é tempo e orçamento, sempre podemos negociar a fim de que, em alguns meses, a situação possa estar regularizada. Penso também que o acompanhamento do cumprimento dos TAC’s pelo MP é fundamental, desde a elaboração do edital até a substituição dos contratados pelos concursados, sem que isso signifique intervenção no Poder Executivo. O fato é que dos cinco municípios que compõem a comarca de Imperatriz, 01 já concluiu o concurso e admitiu quase todos os aprovados. Outros 3 municípios, dentre eles Imperatriz, estão trabalhando para a realização dos concursos até meados de setembro de 2011. E quanto a um município que descumpriu o TAC, foram tomadas as medidas judiciais para a responsabilização do gestor. Caso esta seja uma bandeira prioritária do MP, penso que os reflexos sociais são maiores do que pensamos, pois além de tornar mais impessoal a Administração Pública, o serviço público fixa as pessoas no Município, que passam a ter segurança de que terão sempre o seu emprego, acabando ou reduzindo significativamente aquela prática coronelista de usar o serviço público para barganhas políticas. Sugiro que padronizemos a forma de atuação dos colegas quanto à matéria, mesmo que isso não venha logo da Administração Superior, dada a gravidade da situação e a constatação de que em todos os municípios do Maranhão temos problemas dessa natureza.

  3. cristina disse:

    Colegas Joaquim e José Marcio,

    Em Anajatuba estamos na expectativa de que agora em agosto, com o retorno da juíza de férias neste mês, seja decidido um pedido liminar em ACP de demissão de contratados pelo município. Ocorre que, o próximo ano é eleitoral, ou seja, algum concurso para preenchimento das vagas ilegalmente ocupadas pelos contratados terá de ser realizado esse ano, o que provavelmente não vai acontecer. Vou entrar com outra ACP exigindo a realização do concurso, mas se não der esse ano, só em 2013!
    E assim os gestores vão nos levando no bolso…!

  4. Teomario Serejo disse:

    Caro Joaquim,

    Parabéns pelo texto.
    Sem dúvidas é motivo de alegria quando se tem uma decisão judicial em ação proposta com fito de coibir a teimosa prática da impessoalidade, da imoralidade, da ilegalidade.
    Contudo, o percurso utilizado por maus gestores para burlar a lei e tirar proveito (vantagens) não se resume apenas em não realizar concurso, mas também em realizá-lo com artifícios tão tênues (por ex. exigências de requisitos para cargos que se voltam a atingir apenas limitado número de pessoas) que passa a ter autorizado em lei o atendimento de seus interesses.
    Em verdade, muitas das situações nesta seara, que ferem a moralidade administrativa, encontram sustento em posição jurisprudencial. É o caso do nepotismo em que, embora tenha o STF estabelecido súmula vinculante(nº 13) impedindo que parentes até o terceiro grau sejam nomeados para exercícos de cargos de confiaça ( cargos em comissão), traz ele mesmo (STF) decisão redudiva (temperada), situação de exceção que denominou de CARGOS POLÍTICOS. Ora me explique o STF qual a diferença em proibir que a irmã de um gestor público ocupe o cargo de Diretora de uma escola pública(situação que entende configurar-se nepotismo), e PERMITIR que a mesma irmã ocupe o cargo de Secretária de Educação (situação que caracteriza como exceção)? Trouxeram-se muitas teorias para justificar o absurdo.

    Teomário Serejo

    Resposta: Caro Teomário, é um prazer tê-lo por aqui. Frequente mais o blog. Sua opinião é importante para fomentar o debate.
    Concordo plenamente com você. São muitas as faces do mal, assim como inúmeras as artimanhas dos maus gestores para burlar a lei.
    Grande abraço!
    José Márcio.

  5. Clarissa X. M. Cardoso disse:

    Brilhante.
    Não é só no Maranhão que isto ocorre…
    Um abraço a todos,
    Clarissa.

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